segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Diário de Bordo

Nunca fui de viajar muito, quase sempre caseiro, família pacata vinda do campo com pouco estudo, conto às vezes em que ao chegar o final da semana havia alguma novidade. Não ter uma casa de praia ou uma chácara no interior para levar os amigos me fez aprender a desfrutar das poucas viagens que fiz.
Conhecer os lugares do mundo, do meu país, do meu estado sempre me aguçou a curiosidade – comecei pelo último. Conhecer minha gente, seus costumes, sua origem. Donde vem seu sobrenome? (Não responda). Explorar cada lugar, mesmo que para isso tenha que apreciar a paisagem com um olhar superficial, sem atentar aos detalhes. Conseguir fazer isso já é uma verdadeira façanha – não consegui. Não pude deixar de notar a beleza do lugar embaralhada à pobreza daquela gente (minha gente); a soberania dos políticos latifundiários sobre a ingenuidade; a simplicidade do campo junto às mazelas do capitalismo; é impressionante observar esse contraste político-social.
Estava tudo muito confuso, com aspecto camuflado, e um episódio me deixou ainda mais intrigado.
A certa hora da noite o carro cruzava uma “aldeia” – gostaria talvez de não precisar empregar aspas – passando devagar sobre algumas lombadas concomitante à voz fria com ar de experiência, de meu tio, que dizia ser ali a região conhecida como Cocal. Processei a informação, a palavra não me era estranha, apuro o pensamento, lembro especificamente que é um povo indígena brasileiro. Vivem ao sul da Serra do Azul, entre os municípios de Joaquim Gomes e Novo Lino, na Zona da Mata Norte de Alagoas, mais precisamente na Terra Indígena Wassu-Cocal.
Vivem nas margens do rio Camaragibe e sufocados pela BR-101.O rio é poluído, o desmatamento dificulta ainda mais a situação. Na região também atua uma pedreira, animais para caça? É conto de fada ou melhor de índios, os peixes que restam saem do rio poluído, a terra não muito fertil ainda cultiva macaxeira, inhame, feijão, batata e outros alimentos tradicionais do nordeste.
- Estava ao vivo - rapidamente olho pela janela, e vejo uma população ribeirinha, alguns bares a tocar músicas, - aquelas de um sucesso efêmero – pessoas usando roupas e calçados comuns em shopping, nada muito incomum das periferias da capital, a não ser o detalhe de a maioria ser índios – me surpreendi leitor – como podia índios estar a morar em casa de alvenaria? Cadê a Oca? Usando camisetas de marcas? Boné de grife? Celular? Havaianas? Coca Cola? Cadê os chás? Internet? Cadê o sinal de fumaça? A resposta me pareceu simples; eles não podiam simplesmente ter se rendido a esse ...Capitalismo selvagem...¹ Onde foi parar a cultura, a tradição, o espólio? Restringiram tudo ao calendário no dia 19 de abril, dia do Índio.
      Eles estavam certos. Não podiam deixar de desfrutar das comodidades dos séculos e consequentemente sair da ignorância, afinal, depois de trocar ouro por pentes ... Nos deram espelhos e vimos um mundo doente, tentei chorar e não consegui...² aprenderam que com homem branco não se brinca, apesar de viver na “mata” índio agora entende como funcionam as relações humanas em sociedade, o jogo de interesses, o estelionato e seus direitos.
  
        Resta unicamente correr atrás do prejuízo, de soluções para amenizar os efeitos da exploração desempenhada pelos portugueses, espanhóis, holandeses, brasileiros dentre outros... Que perdura até hoje, tentar sobreviver na terra descoberta por eles.
      Experiência saudável essa. Senti o cheiro de terra, notei às perfeitas linhas que cobrem os morros que cercam este estado, cheio de belezas naturais inigualáveis a qualquer outro lugar do mundo, olhando o pôr do sol, fitei o relógio já estava a poucos minutos da vida urbana, da rotina apressada de um pré-vestibulando.



Amorim Anderson – Diário de Bordo, Rio Largo(AL), Setembro|2010
¹HOMEM PRIMATA, música – Titãs|Cabeça Dinossauro,1986
²ÍNDIOS, música - Legião Urbana|Acústico MTV,1999

Um comentário:

  1. Interessante cara!
    Até aí, a cultura - a que eu achava mais consistente - vem desfalecendo!
    Ah, as vezes as belezas, tradições, costumes que achamos desconhecidos ao nosso entendimento, se fazem presentes bem do nosso lado... Somos todos "iguais", mas diferentes, e são essas características que devemos procurar descobrir, entender e apreciar nos nossos semelhantes.
    É! São modos de raciocínios contrários!
    Vamos viver amigo: isso é o que importa!
    Abraço.

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